Luciano Aguiar

RIACHO BEBERIBE
O dia amanheceu furta-cor e faminto de sol

O dia amanheceu furta-cor e faminto de sol. Os "escravos" da palha da cana vinham a passos largos pelos corredores entre cancelas dos latifúndios de Ipituba de Dentro, não gostavam da bagunça do "resto de feira". Pedro Luzia, cidadão mais antigo da cidade, beirando os 100 anos, vinha montado no jumento puxado pelos tataranetos de bisnetos de netas, que não conheciam a imensidão do mar.
Ao entrarem no parque dos cavalos, o ancião refém dos sentidos, arregalou os olhos e girou a cabeça em graus infinitos, tateando com as conchas auditivas uma agonia sobre-humana e desesperadora no local de embarque e desembarque dos feirantes, às margens do Riacho Beberibe.
Cabresto solto, o animal foi em direção ao local de costume. Os descendentes de Pedro Luzia, curiosos e impacientes, esbarram de ouvido, com o murmúrio intermitente e repetitivo: "se vomitar, perde".
Ao defrontar-se com o absurdo, Pedro Luzia lamentou a decadência humana, ao ver com os braços arriados feito urubu na estaca, num dia de sol no inverno, um homem de meia-idade, comendo a nonagésima banana com casca e tudo, ajudado pela mão de pilão de socar tempero.
Ruminando o acontecido no caminho de volta, Pedro Luzia resmungava sobre o feito para a tropa, dissertando sobre os motivos de tamanha façanha humana; custava acreditar que uma aposta política entre correntes subservientes e dependentes entre si dos cofres públicos levaria o Homem sem eira nem beira a tamanha humilhação. Quando não se tem com o que pagar além do voto, tudo vale em troca, desde que a honra seja esfarrapada.
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