Luciano Aguiar

O PIAR DE “MARIA OIÃO”
A ausência do contador de histórias

Na imensidão da noite, o jovem contador de histórias de Trancoso, Paulo Alípio, costumava andar a passos curtos pela rua da floresta, com ouvidos e olhos atentos, rastreando o mundo dos insetos em busca de tanajuras e gafanhotos de sobretudo verde, asas vermelhas embutidas e esporas múltiplas.
Com o início de um inverno tenebroso, o redemoinho de besouros ofuscava as lamparinas; apenas os vultos eram visíveis à distância no esquisito da floresta. Paulo Alípio teimava e nutria um desejo íntimo e medonho de esbarrar com as histórias de "ouvi dizer" de “Maria OIÃO”, uma bela e ordinária roceira que costumava maltratar a mãe e, em luas cheias intercaladas, corria bicho.
Numa certa lua cheia do mês de Santana, nas mediações da residência do Dr. Assis, o caçador teve uma surpresa medonha, não só viu, como passou a noite encurralado num poste a meia haste até o amanhecer, por uma porca ciclope de garras afiadas. Diante do medo e da constatação da verdade dos mais antigos; Paulo entrou em êxtase, desapareceu da convivência social e dos ouvintes de suas sagas, começou a frequentar a igreja em segredo porvindouro.
A ausência do contador de histórias e sua assiduidade à Matriz para se confessar com o reverendo Vilas Boas despertou os seus ouvintes. Entre eles, escolheram o galego coroinha para investigar os segredos de Paulo por intermédio da zeladora dos afazeres da Igreja, Dona Nazaré.
O galego coroinha, bem-quisto pelo Reverendo e de inteira confiança da cúria, sutilmente extraiu a verdade quase que em absoluto daquele poço de silêncio de cinco décadas. No vai e vem do burburinho, a zeladora relatou o ocorrido na rua da Floresta, e muito mais, confidenciou ao coroinha o pedido de “Maria Oião” ao contador de histórias, pedindo pelo amor de Deus ao coroinha que escondesse a língua num lugar seguro; pois o reverendo passou a acreditar que Paulo estava desorientado, mas que deixaria ele retirar o ninho de uma rasga mortalha no alto da sacristia, um pedido da Porca como forma de perdão, e não mais correr bicho nas luas cheias pelas ruas da cidade.
Com os olhos injetados em brasa, pela terrível noite de insônia, induzida pelo sinistro pedido de Maria Oião, o coroinha, com a impaciência de um animal enjaulado, não via como repassar os segredos de confissão para os colegas; quando, de repente, o sino replicou numa cadência própria de anunciação de morte. Saiu às pressas em direção à matriz e, ao chegar nas escadarias, vislumbrou uma cena terrível: Paulo Alípio morto, banhado em sangue e espetado pelas costas nas grades da sacristia. Ao remover o ninho, espantou-se com o piar da coruja e despencou, configurando a cena de São Sebastião flechado pelo avesso.
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